domingo, 15 de março de 2009

Cibercultura - contexto contemporâneo

CYBERSPACE – FIRST STEPS

MICHAEL BENEDIKT, Cambridge, 1992.

Este texto tem o propósito de analisar o surgimento do ciberespaço a partir da sua relação com a informação, conhecimento e evolução humana através dos mitos e símbolos que são criados para a representação do indivíduo, da sociedade e de suas relações com os mundos físico e natural. Analisa quais caminhos foram percorridos ao longo da história do homem que possibilitaram a existência do ciberespaço.

Argumentos centrais

O texto “Ciberespaço - primeiros passos” trata de uma análise, primeiro geral, que o autor faz sobre o que seria o ciberespaço colocando em evidencia os conceitos de senso comum estabelecido na época em que foi escrito, 1992. É evidente que estes conceitos reportam a uma época em que o ciberespaço crescia enquanto nova possibilidade de comunicação, utópica naquela época. Na sua ambiência as culturas se encontram, onde a igualdade de possibilidades tem potencial para se manifestar. O ciberespaço era visto como um ambiente onde os egos humanos desapareceriam. É um lugar de todos e de ninguém. Um universo paralelo criado e sustentado por computadores e linhas de comunicação. Era o momento chegado da redenção, da democracia, a tão sonhada esfera da pura informação.
Logo depois ele contesta seu próprio discurso, dizendo que o ciberespaço descrito não existe. Faz uma comparação ao mito de shangri-la, embora acredite que não é uma comparação tão fácil, já que de fato o ciberespaço existe e existe ali uma memória coletiva sendo construída além do mundo físico. Para fundamentar a sua contextualização faz referencia a Karl Popper* e sua teoria da constituição do mundo em três partes.
Benedikt, baseado em Pooper, diz que o mundo é inteiro, entretanto dentre dele se dividem três mundos. O mundo 1que é o mundo da matéria, das coisas naturais e suas propriedades físicas. O mundo 2 se identifica com a subjetividade de percepção do mundo, ou seja, o mundo 1 como é percebido, visto e sentido. São as intenções, cálculos, pensamentos, memórias e mentes individuais. O mundo 3 é o mundo da objetividade e da abstração, ao mesmo tempo, da realidade, estrutura pública, da mente coletiva, da interação humana, ou seja, é o resultado da relação entre o mundo 1 e mundo 2. Para Popper seus padrões são puramente informacionais. É o mundo das leis, da linguagem, da beleza, da matemática, da religião, filosofia, instituições de todos os tipos, etc.
O ciberespaço entra no mundo 3, onde cabe a abstração, a conexão mundial e segundo Benedikt, a partir da análise de Popper, o ultimo estágio do mundo 3. Essa idéia, entretanto, não é absoluta no texto, pois sugere também que o ciberespaço pode trazer de volta os elementos que compõe os mundos 1 e 2.
Para explicar tal fato, o autor divide a sua argumentação em quatro temas.
O primeiro e segundo aborda a questão dos mitos, mesmos os mais antigos, e suas influencias sobre o cotidiano das pessoas até hoje. Diz que os produtos midiáticos estão repletos de mitos e os mais jovens são mais suscetíveis a eles, pois são mais maleáveis, daí inclusive seu maior interesse pelo ciberespaço.
Mas para explicar o ciberespaço o autor propõe a análise começar pela estudo do espaço físico. E aqui entra o tema 3 onde ele aborda a análise simbólica do mundo três e sua ligação com o ciberespaço a partir das questões sobre arquitetura e da desmaterialização dos meios. Benedikt acredita que estamos num estágio de passagem, onde ainda impera a cultura da prensa, mas vive-se a potencialidade da imaterialização do mundo através do ciberespaço. A “sustentação” do mundo como conhecemos hoje passa pelas tecnologias da informação e da comunicação.
Faz uma narrativa da formação do mundo e como os objetos físico tinham grande valor simbólico para a sociedade, mas conforme as sociedades iam se tornando mais complexas, mais sofisticados e imateriais se tornavam os símbolos de representação social. Nesse sentido evolutivo as portas do ciberespaço foram abertas e a arquitetura das mentes, passam novamente por transformação.
No quarto tema ele trata da história da matemática e como o ciberespaço reviveu essas técnicas de análise, a partir das teorias matemáticas, principalmente a matemática espacial. Para finalizar ele diz que existem muitas outras coisas ligadas ao ciberespaço que não puderam ser analisadas, mas que não se esgotam nesta abordagem. Certamente o ciberespaço veio a trazer profundas modificações nas relações humanas e nas relações dos humanos com os objetos, ou tecnologias, nesta era pós industrial.
Crítica

O texto de Benedikt por ter sido escrito em 1992, traz idéias iniciais sobre o ciberespaço, época em que havia muita esperança de que fosse um ambiente redentor da sociedade, resolvendo muitos dos problemas que prevaleciam na época. O ciberespaço carregou, a princípio, a esperança da concretização das democracias, a oportunidade de coletividade mundial, um local de encontro de culturas. Certamente algumas das hipóteses do autor, que ele a princípio estrutura como utopia, estão se concretizando, como por exemplo a possibilidade da interação cultural, circulação da informação, as relações “virtuais”. Não como se imagina, mas como se pode ser, pelo menos por enquanto. Questiono o autor, entretanto, quanto a defesa que faz do ciberespaço como o último estágio da evolução do mundo 3, “…And, cyberspace, we migth now see, is nothing more, or less, than the latest stage in the evolution of world 3, with the ballast of materiality cast way - cast way again, and perhaps finally”(pag 31). Primeiro por ser um ambiente novo, na época, muito propenso a mudanças e/ou transformações; segundo, ele não levou em consideração a imprevisibilidade da história humana.

*filósofo da ciência, austríaco naturalizado britânico, já falecido. É considerado um filósofo influente do século XX. Foi também um filósofo social e político. Um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do totalitarismo.

AN ARCHAEOLOGY OF CYBERSPACES – Virtuality, community, identity

Shawn P. Wilbur, 1997.

O artigo de Wilbur tem como objetivo fazer uma análise da construção do ciberespaço se preocupando com as características das relações sociais que se estabelecem, como o caso das comunidades virtuais. Para isso ele descreve o que é comunidade, o que é virtual e o que a combinação desses dois elementos representam para o ciberespaço, a cibercultura.

Argumentos centrais

O argumento principal de seu texto é sobre a cultura da internet, comunidades virtuais e identidades que se formam a partir dessa relação. Segundo o autor o ponto de referencia para falar de comunidades virtuais é Howard Rheingold* que trata principalmente do pioneirismo dessas comunidades e das fronteiras eletrônicas. Wilbur, segundo Rheingold , afirma que comunidades virtuais são agregações sociais que surgem a partir da internet quando há um número suficiente de pessoas que desenvolvem interesse por determinado assunto, debates públicos, por um determinado tempo. Mas para Rheingold a verdadeira comunidade está em ter a capacidade de deslocar a comunicação mediada por computador para a interação face-a-face ou por aquelas pessoas ou grupos que compartilham algum tipo de interesse na vida real. Além disso, acredita também que a melhor comunidade virtual se origina da verdadeira comunidade.
· A partir de sentimento próprio, Wilbur descreve comunidade como a relação de comunhão entre pessoas e objetos. O importante é a realização em comum de qualidades, propriedades, identidades e idéias, no meio eletrônico ou não. Pode ser também sinônimo de localização embora essa aproximação não demonstre nada em comum.
· Há também um outro elemento que compõe o ciberespaço e está nas preocupações do autor. O virtual. Este elemento tem forte presença no ciberespaço e passa cada vez mais para o real. O grande mérito do virtual, informa Wilbur, é sua capacidade de produzir efeitos ou para ser o próprio efeito, mesmo com a ausência do real. Pode-se entender como o reino das aparências. Paul Virilio**, segundo Wilbur, sugere que as tecnologias do virtual são destinadas não só para simular o real, mas também para subtituí-lo.
· Com o argumento da identidade individual no ciberespaço, o autor acredita que a internet envolva o usuário de tal maneira que ele pode exercitar/simular os cinco sentidos através do computador e também criar outras identidades que não aquelas que apresentamos na sociedade, dessa forma sair de sua limitação física, embora sem nunca poder deixar de ser ela mesma, mas com diversas personalidades.
· Então o que seria comunidade virtual? É tudo que se vive através do ciberespaço, que pode ou não refletir fora dele e vice-versa; é também comunidade virtual tudo o que se experimenta e vive no dia-a-dia e que se reflete a partir dos usos das tecnologias.
Crítica
O texto é sem dúvida favorável a existência e crescimento das comunidades virtuais no ciberespaço a partir das novas relações que se estabeleceram com as tecnologias. Concordo com o autor sobre seu conceito de comunidade virtual, sobre o virtual e sobre a possibilidade de se criar identidades a partir do ciberespaço e do virtual. De alguma forma achei que se deteve muito na justificativa territorial de comunidades para explicar o próprio conceito, embora tenha pincelado a questão de que, se existe comunidade é em função do interesse das relações humanas e que a internet potencializou uma nova forma de relação e possibilidade identitária.
Achei fraco o argumento usado, através de dois exemplos sobre formação e fim de comunidade virtual para explicar como se agrega uma comunidade virtual. Talvez pelo momento de sua pesquisa, mas hoje percebe-se que as comunidades se formam em torno de interesses comuns e não tem prazo para acabar, geralmente quando o elemento de liga se desfaz, a comunidade se desfaz. A proximidade física, nesse ponto também concordo com o autor, forma agrupamentos que nem sempre se pode chamar de comunidade. Ela realmente existe quando trabalham por algo em comum no virtual ou no real.

*Escritor e crítico. Sua especialidade é na área de cultura, sociedade e implicações políticas da comunicação moderna de internet, telefone móvel e comunidades virtuais.
**Urbanista e teórico cultural nascido na França, estuda e trabalha com tecnologias e desenvolvimento humano.


CYBERSPACE AND THE GLOBALIZATION OF CULTURE
JON STRATTON, 1996


Este artigo trata da relação entre a globalização e a cibercultura. Como a globalização viabilizou a expansão do ciberespaço, através de sua infraestrutura voltada para o comercio, que por sua vez potencializou os recursos para o fortalecimento das relações globais. Aborda também os problemas da hipervalorização das sociedades em que as superestradas da informação são mais desenvolvidas, em detrimento das mais atrasadas.
O autor busca também fazer uma ligação entre as características da globalização do mundo moderno e como a internet e o ciberespaço contribuem para a modificação de um sistema que depende de certas leis de mercado e condições específicas, como o capitalismo para continuar a existir. Ao mesmo tempo que o ciberespaço viabiliza relações capitalistas, também coloca em xeque este sistema a medida que abre suas fronteira a informação, a democracia e ao conhecimento.

Argumentos centrais
Na questão da globalização o autor defende o computador como elemento transformador das comunicações e da viabilização do ciberespaço, assim como o telégrafo influenciou a comunicação a partir da eliminação da necessidade de transporte terrestre para que a comunicação entre as comunidades acontecesse.
· Outro ponto é sobre a sofisticação dos símbolos e representações humanas que agora se movem independente do espaço geográfico e do tempo através do ciberespaço.
· Stratton afirma ainda que o ciberespaço mais se desenvolveu onde o capitalismo também mais se desenvolveu, pois as tecnologias da comunicação não podem ser vistas fora do contexto do capitalismo, já que a internet começou a partir das redes de telecomunicações que são uma premissa para o funcionamento do sistema.
· Segundo o autor, a abertura do ciberespaço promoveu um movimento acelerado de desterritorialização e a globalização da cultura deixou de ser apenas as relações econômicas entre as nações para se estender aos interesses diversos das comunidades.
· Um outro ponto descrito por Stratton é que a liberdade de acesso a informação oferecido pela internet está diretamente ligada a governos democráticos ou autoritário.
· Stratton baseou seu artigo em diversas referencias de outros autores como Carl Marx, James Carey (pesquisador e professor de jornalismo), Al Gore, Habermas, entre outros.

Crítica
Não tenho crítica a fazer sobre o texto de Stratton, pois concordo com os argumentos dele para localizar o ciberespaço na cultura globalizada. De fato, o ciberespaço trouxe a globalização para um outro patamar e que pode colocar em xeque as estruturas desse sistema de relações inter-culturas que antes se restringiam aos interesses econômicos e agora se entrelaçam na língua, costumes, relações pessoais, interesses de grupos minoritários que agora tem a oportunidade de se encontrarem e se verem representados no ciberespaço.


CYBERSPACE AND THE WORLD WE LIVE IN

KEVIN ROBINS, 1996

Este artigo tem o propósito de relacionar o ciberespaço com os produtos simbólicos das relações humanas da pós-modernidade principalmente no que diz respeito a identidades individuais e coletivas, a idéia de realidade virtual como elemento transformador dos elementos internos e externos aos sujeitos e a importância das comunidades virtuais para a reconstrução do conceito de esfera pública.

Argumentos centrais

Segundo o autor muitos pensam que o ciberespaço é uma visão utópica da pós-modernidade em torno de um conceito, mas o que se tem de certo é que o ciberespaço é um lugar de todos e um lugar de ninguém.
· Um outro argumento utilizado pelo autor para desenvolver seu texto é que o ciberespaço dá liberdade para se fazer o que se deseja em contraponto as limitações do mundo real. Um exemplo é a realidade virtual que permite a construção do mundo que se quer.
· Com a realidade virtual o mundo interno e externo se confunde, perde fronteiras.
· Robins utiliza muitas idéias de Rheingold* e uma delas é de que as ferramentas dispostas a partir do ciberespaço são uma oportunidade para a recontrução da convivência e sociabilidades perdidas, e principalmente da retomada do conceito de esfera pública.
· Um outro argumento é sobre as comunidades virtuais que são para ele agregações sociais em comum que emergem a partir da internet, quando existe interesses em comum mesmo que as pessoas não estejam partilhando o mesmo espaço.
· A comunidade, afirma ele, é uma rede cujo foco é um grande projeto de revitalização social.
· O ciberespaço e a identidade é uma das abordagens no texto que fala da oportunidade de se criar uma realidade artificial e de se poder compor a própria aparência. Pela subjetividade do ambiente os limites do eu são definidos menos pela aparência e mais pela integração de circuitos. Frisa que as identidades se são facilmente formadas, são facilmente descartadas como num jogo. São banalizadas. Mas podem ser exploradas em toda a sua complexidade.
· Mas o argumento de Rheingold, descrito por Robins é de que essas identidades no ciberespaço tem raízes mais profundas na natureza humana que surgem quando tem que jogar ou viver outro tipo de história. É uma idéia semelhante a de Benedikt quando diz que o ciberespaço é composto de imaterialidade e maleabilidade.
· O autor critica também aos pessimistas que dizem ter o ciberespaço e a realidade virtual tirado a imaginação.
· Uma argumentação do autor é que sugere trazer a cultura do virtual para o real já que este mundo supostamente virtual tem tomado cada vez mais o espaço físico interferindo no cotidiano.
Crítica
A crítica que tenho sobre as idéias do autor é sobre seu otimismo sobre comunidades virtuais como projeto de revitalização social. Será que para revitalizar o interesse das pessoas em comunidades basta estar no ciberespaço?E o cultivo da cidadania e educação para o sentimento de pertencimento à uma comunidade que entre outras coisas promove a liga social? O que se tem em conta é que as relações sociais das comunidades virtuais, salvo as exceções, não tem profundidade e são extremamente fluídas. Outro ponto de questionamento é relativo a sua definição de mundo externo e interno e que a realidade virtual confunde as fronteiras entre esses dois mundos. Como se dá esse processo? Nas pessoas existe essa definição clara do que seja interno ou externo no qual a realidade virtual possa confundir?

*Escritor e crítico. Sua especialidade é na área de cultura, sociedade e implicações políticas da comunicação moderna de internet, telefone móvel e comunidades virtuais.

fONTE:BELL, Keneddy. The Cybercultures Readers. London. Routledge, 2002. (capítulos 1, 2,4 e 47)

Um comentário:

  1. Caros alunos, o canal está aberto para quem quiser efetuar comentários sobre os tópicos discutidos na aula.

    JCarlos

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