(Dennis Brisset e Charles Edgley)
O Princípio Dramatúrgico
O interesse da Dramaturgia é com os atos sociais e os significados emergentes. O que é crucial para a visão dramatúrgica da vida social é que o significado não é um legado de arranjos culturais, de socialização ou institucionais, nem a realização de potenciais psicológicos ou biológicos. O significado é uma contínua e problemática construção da interação humana, que é repleta de mudanças, novidades e ambigüidades. (Pg. 02)
A Dramaturgia enfatiza a dimensão expressiva / impressiva da atividade humana. O Princípio fundamental da Dramaturgia é o de que os significados das ações das pessoas devem ser encontrados na maneira como elas se expressam nas interações com outros que também se expressam. (...) De fato, as situações não se definem por si, elas precisam ser construídas por comunicação simbólica. Portanto, a vida social deve ser expressiva.
A ubiqüidade desta expressividade reforça a visão de que o comportamento humano é dramático. O que é marcante no ser humano é a sua capacidade de engajar-se em atividades expressivas. Os humanos e suas ações não são vistos como o produto de forças (sejam sociais, culturais, psicológicas ou espirituais); os humanos, pelas suas expressividades, podem negociar seus sentidos nas situações com outros, que também possuem a mesma habilidade. (Pg. 03)
A Consciência Dramatúrgica
A consciência dramatúrgica é variável. (...) Algumas vezes as pessoas preocupam-se bastante com o que os outros pensam, e às vezes não dão a mínima importância a isto. Por alguma razão, alguns dos outros são mais importantes para o ator. Ao mesmo tempo, algumas audiências são bastante receptivas, outras são mais críticas e desafiadoras. Parece que o nível de consciência por parte do ator, de si mesmo e de suas ações, é estabelecido em grande medida pelo grau de envolvimento com a audiência, e também pelo grau de receptividade desta audiência. (Pg. 06)
A relação entre o Princípio dramatúrgico e a consciência dramatúrgica
Entretanto, se por um lado, algumas pessoas, em alguns momentos, tentam manipular as impressões dos outros, isto não é necessariamente uma conseqüência da consciência dramatúrgica. Este controle que o individuo tenta exercer sobre os outros pode ser negociável e até conciliatório. Nem todas as apresentações são forjadas, e as pessoas podem estar mais interessadas em revelar do que em esconder. Jogos de trapaças, cinismo e deslealdade são todos elementos dramatúrgicos, certamente, mas amor, verdade, sinceridade e autenticidade também são. (Pg. 07)
O problema básico da Psicologia Social e a resolução dramatúrgica
A visão dramatúrgica coloca simplesmente que a vida humana é simultaneamente individualizante e socializante, na medida em que as pessoas e as realidades que elas constroem têm conseqüências expressivas. Ser uma criatura individual ou social não é uma escolha que nós temos. Para ter uma identidade, precisamos nos unir a uns e nos separarmos de outros, entrar e sair de relações sociais, ao mesmo tempo. (Pg. 10)
O Drama do Self
Tende-se a acreditar que a personalidade de um indivíduo é soma de todas as suas experiências e de tudo aquilo que ele pode chamar de seu. Nesta visão, a personalidade de um indivíduo seria uma propriedade que é carregada de situação em situação, uma entidade psicológica que independe da interação com os outros. A concepção dramatúrgica é diferente, e vê a individualidade como um fenômeno social e não psicológico. (Pg. 14)
A Dramaturgia insiste que “sem a apresentação do Eu, um Eu não é possível”. Isso significa que a individualidade é um fenômeno interativo compartilhado, que emerge somente no contato com os outros. Assim, o Self de um indivíduo emerge, é mantido e é perdido somente por um processo de validação consensual. O Self tem um caráter social, e não é uma propriedade pessoal, é concedido pelas pessoas com quem o individuo deseja compartilhar. (Pg. 15)
A natureza performática e mutante do Self
De fato, nenhuma performance, independentemente do quão eficiente ela seja, dura pra sempre. E mesmo que o indivíduo tente fazer a performance durar para sempre, a visão da audiência muda, e assim muda também o sentido da performance. O Self é um objeto que precisa de outros objetos para vir a ser. Se os objetos mudam, muda também o Self. Ter mais de um Self é uma necessidade performática. Por outro lado, na maioria das situações, para além da mudança, um sentido de continuidade deve ser estabelecido. (Pg. 18)
Críticas à Dramaturgia
A primeira critica é a de que a Dramaturgia não é uma teoria adequada do comportamento humano. Pois ela não possui as propriedades da teoria formal. Não está ligada a outras teorias, não produz hipóteses testáveis. Em suma, não é uma teoria. (Pg. 23)
Entretanto, a Dramaturgia é o estudo de ordem interacional, e a interação interpessoal não é apenas mais uma especialidade, é todo o material empírico real que existe para a sociologia. Ao invés de ser antagônica à psicologia e à sociologia, a Dramaturgia é o estudo de como a psicologia de um indivíduo é realizada, e de como a sociedade e a cultura de um indivíduo são vividas. Se há um problema com o modo de pensar dramatúrgico, ele pode estar na tolerância para virtualmente qualquer persuasão teórica ou material empírico. (Pg. 24)
Outra crítica constante à Dramaturgia é a de que ela não produz afirmações universais sobre o comportamento humano. Os críticos apontam para um viés cultural ou até situacional do pensamento dramatúrgico, que serviria para o comportamento verificado na cultura ocidental. Assim, a generalização da teoria seria possível apenas para certos contextos, e não aplicável a outras culturas, tempos ou lugares. (Pg. 24)
Entretanto, não é verdadeiro que a Dramaturgia está vinculada a uma cultura específica. O Princípio dramatúrgico de que as ações das pessoas são expressivas parece estar amplamente documentado na literatura antropológica. (Pg. 25)
Há ainda críticas à metodologia dramatúrgica. (Pg. 25)
Trivialização de arranjos estruturais, organizacionais e institucionais
Mas, na verdade, a Dramaturgia reconhece que a estrutura social proporciona o contexto e as oportunidades para a interação entre pessoas. (...) Entretanto, ao invés de duelar com estas limitações estruturais, a Dramaturgia foca no que as pessoas fazem nos contextos que estão disponíveis para elas. Não foca nos porquês das existências destes contextos, mas nas possibilidades interacionais que surgem nestes contextos. É nas ações das pessoas que as características estruturais da vida social emergem, tornam-se reconhecidas e são utilizadas. (Pg. 27)
A vida não é realmente um teatro
Apesar de haver claras diferenças entre o dia a dia e o mundo dos palcos, a própria consciência dos atores do palco não é necessariamente diferente da consciência de alguns atores do cotidiano. Assim como o palco é uma delimitação de tempo e de personagem, muitos episódios rotineiros também são. São os rituais dramáticos e expressivos da vida, sejam eles teatrais ou não, que constituem o foco da Dramaturgia. A vida não é nem igual ao teatro, nem diferente do teatro, é parecida com o teatro. A Dramaturgia é a descrição do comportamento de seres humanos que usam meios teatrais para construir um mundo, o qual, em muitos aspectos, é levado tão a sério, que jamais seria comparado a um “teatro”. (Pg. 31)
O Legado de Goffman
Nós podemos aprender muito sobre um livro, pela sua capa. Fazemos isto todos os dias. A aparência nunca é destruída pela realidade, apenas substituída por outras aparências. Como foi colocado por Mead, “a vida social é vivida majoritariamente na imaginação”. Goffman reforça que “as imaginações que as pessoas têm umas sobre as outras são os sólidos fatos da sociedade”. O argumento de Goffman dissolve a própria distinção entre a mera aparência e a realidade fundamental na vida social. Para o autor, a vida consiste em vários níveis de compreensão e consciência, e não em camadas que escondem uma essência fundamental, que deve ser revelada por um trabalho científico. (Pg. 37)